Enquanto o Presidente da República de Angola afirma que a análise sobre a dupla nacionalidade de dirigentes de partidos políticos está a ser “deturpada” por “conveniência de uns poucos”, rejeitando campanhas de incitação ao racismo e xenofobia, o Presidente do MPLA permite que o seu partido alimente e municie essas campanhas. É preciso ter lata!
Por Norberto Hossi
Na sua intervenção de abertura da 2ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, em Luanda, João Lourenço afirmou que tem acompanhado “com muita atenção” os debates em torno da nacionalidade adquirida de dirigentes de partidos políticos que aspiram “algum dia a concorrer ao cargo da mais alta magistratura da nação”, sublinhando que a análise tem sido deturpada.
Será que, já agora, Luísa Damião, Américo Cuononoca (mesmo que seja Américo Kuononoca) ou Hidulika Kambami (mesmo que seja Albino Carlos) nos podem dizer que nacionalidade tinha João Lourenço no dia 10 de Novembro de 1975?
“A análise sobre o objectivo de debate vem sendo manipulada e deturpada por conveniência de uns poucos como se o assunto se tratasse de dupla nacionalidade para a generalidade dos cidadãos, condição que hoje não está vedada para nenhum angolano salva a excepção prevista na Constituição”, destacou.
Em causa está o presidente do principal partido da oposição que o MPLA (não se sabe por mais quanto tempo) ainda permite que exista em Angola, Adalberto da Costa Júnior, que abdicou da nacionalidade portuguesa para se candidatar à liderança da UNITA – para a qual foi eleito em Novembro de 2019.
Acresce que, como recentemente recordava Emídio Fernando, “antes dos acordos de paz, assinados em 2002, os dirigentes da UNITA estavam impedidos de ter qualquer documento oficial de Angola. A maior parte deles adquiriu nacionalidades ‘oferecidas’ por governos amigos da UNITA. Entres eles, alguns de Portugal que facilitaram a vida aos dirigentes do ‘galo negro’”.
Adalberto da Costa Júnior denunciou estar a ser alvo de ataques racistas por parte do MPLA devido ao conteúdo de um comunicado do Bureau Político do partido no poder que atacava “líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeiros e por isso executam uma agenda contrária aos interesses de Angola”, na sequência dos incidentes ocorridos na vila mineira de Cafunfo.
O assunto tem suscitado controvérsia na sociedade angolana e mereceu o repúdio do antigo primeiro-ministro, também do MPLA, Marcolino Moco, que criticou o “bullying racista e xenófobo” contra o dirigente da UNITA e que, apenas por mera coincidência, foi “in continenti” exonerado do cargo de administrador não executivo da Sonangol, para o qual fora escolhido por João Lourenço.
João Lourenço, que é também presidente do MPLA (será que é não executivo?), afirmou serem infundadas e irrealistas as críticas de alguns analistas da política nacional que apontam para o surgimento de “uma campanha de incitação ao racismo e a xenofobia num país como Angola, que pagou um preço muito alto com perda de vidas humanos e infra-estruturas” na sua luta contra o racismo.
Tem razão. De facto, no mais vergonho massacre da nossa história, a esmagadora maioria dos milhares e milhares de mortos não o foram por razões de racismo e/ou de xenofobia. Foram apenas porque supostamente não pensavam da mesma forma que o algoz-mor, o genocida presidente do MPLA, Agostinho Neto.
“Não é realista e credível falar-se de um plano de incitamento ao racismo e xenofobia”, sublinhou o chefe do executivo angolano, adiantando que a luta pela emancipação e independência nacional foi ao mesmo tempo contra a segregação racial e o racismo.
É claro que há factores que ajudam a que alguns de nós sejamos “personae non gratae”, sem que para isso existam razões de racismo ou xenofobia. Já viram o “crime” que é, por exemplo, ser angolano branco, ter nascido no Huambo, ser jornalista e não ser do MPLA? Não fica a faltar nada para ser catalogado de “estrangeiro” e “terrorista”.
“Tolerar o racismo e xenofobia seria negar a nossa proposta histórica”, enfatizou, assegurando que o Estado está atento e “não vê sinais preocupantes, mas se surgirem serão combatidos e sanados rapidamente”.
Se Bureau Político do partido liderado(?) por João Lourenço ataca “líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeiros e por isso executam uma agenda contrária aos interesses de Angola”, e isso não é racismo nem xenofobia e não representa “sinais preocupantes”, das duas uma: Ou João Lourenço não manda no MPLA ou julga que somos todos matumbos.
Para João Lourenço, o barulho em volta deste “falso problema” procura sobretudo “fomentar a divisão entre os angolanos, entre as diferentes tribos e etnias que compõem o nosso rico e vasto mosaico cultural e que sempre viveram e continuarão a viver em perfeita harmonia”.
Bem visto, Presidente João Lourenço. De facto, concordamos consigo, o MPLA procura fomentar a divisão entre os angolanos. Isso ainda seria aceitável se o fizesse, como sempre fez, por considerar haver angolanos inteligentes (os do MPLA) e os outros. Mas fazê-lo por questões de racismo e xenofobia é chato.
O Presidente deu também nota da sua preocupação com o surgimento generalizado da profanação dos símbolos nacionais e figuras históricas, bem como destruição, roubo e vandalização de bens públicos, desde postos de transformação a escolas e outras infra-estruturas “que custaram bastante aos cofres do Estado”.
Esta tem sido uma “actividade quase sempre desenvolvida por jovens com ganância pelo lucro fácil” que não se preocupam com os danos causados à comunidade de que eles próprios são parte, referiu, acrescentando que as autoridades vão redobrar esforços no combate a este tipo de crime.
João Lourenço concluiu, no entanto, que “os jovens não destroem, constroem”, tendo sido aqueles que construíram a independência, paz e reconciliação e estão hoje a reconstruir as infra-estruturas do país e o futuro angolano.
“Jovem angolano, não se deixe levar por maus conselhos, más companhias, não queira tornar-se famoso pela negativa pela prática de actos que em nada dignificam a juventude angolana”, exortou.
Só faltou mesmo dizer: Seja um jovem consciente, honesto, trabalhador, patriota… fuja do MPLA.